sexta-feira, 15 de maio de 2009

De Profundis, Valsa Lenta


Li este livro há 12 anos (no ano em que foi publicado - 1997), agora voltei a pegar nele e, mais uma vez, impressionou-me. Desde o prefácio do Prof. João Lobo Antunes ("Carta a um amigo-novo") até ao final, "Entrelinhas duma Memória", pelo próprio José Cardoso Pires, tudo se lê de fio a pavio.
Mais do que um livro, é um testemunho ímpar de uma situação limite, em que qualquer um de nós se pode encontrar, mas relatada pela pena magistral de Cardoso Pires.
E se, de repente, por um acidente orgânico, nos encontrássemos despersonalizados, perdida a memória e o passado? É um relato escorreito e fácil de acompanhar, como se estivéssemos ao lado do homem, o indivíduo, José (Cardoso Pires), quais seres invisíveis. Sim, porque o sentimos como se estivéssemos lá, sentimos a dúvida, a interrogação "O que restaria de mim no homem que ficou para ali estendido à espera de coisa nenhuma?", "Sem nome e sem assinatura este que eu sou entre paredes dum hospital encontra-se numa paisagem anónima com gente anónima (o pessoal, os visitantes). Sem nome, vejam só".
A situação, o AVC, o escritor viveu-a em 1995 e só dois anos depois, com a escrita deste livro, deu "por encerrada para sempre a minha viagem à desmemória, arquivando-a nestes apontamentos escritos à deriva por indícios trazidos na corrente." O livro foi um sucesso, galardoado com prémios, o escritor deu entrevistas, testemunhou de viva voz esta "viagem" pela desmemória... um ano depois partiu para sempre, na sequência de novo acidente orgânico.
Aquando da partida do escritor, dei comigo a pensar que foi como se lhe tivesse sido dado o tempo suficiente para escrever este seu testemunho, como se fosse essa a sua missão derradeira. Hoje, quando volto a este livro, esse pensamento reforça-se e torna-se quase uma certeza. Diria mesmo que era preciso José Cardoso Pires escrever este livro, era de facto a sua missão antes de partir e, na minha opinião, cumpriu-a com distinção.

1 comentário:

CICL disse...

Engraçado, também li há vários anos... e fiquei agora novamente com vontade de lhe pegar.