Na viagem que fiz na Páscoa ao Nordeste brasileiro, fiz questão de trazer comigo livros. Assim, no Midway, shopping moderno em Natal, na livraria Siciliano, vaguei os olhos pelas prateleiras e descobri esta Antologia Poética do mestre (ou o "poetinha" como ficou conhecido) Vinicius de Moraes. Não resisti. É uma antologia organizada pelos poetas Antonio Cicero e Eucanaã Ferraz, publicada originalmente em 2003. Nesta obra, "Vinicius chega ao século XXI como o autor de uma poesia viva e apaixonada", ou não fosse este o autor do célebre verso "que seja infinito enquanto dure".
Pois de regresso a este lado do Atlântico, ao desfolhar e saborear alguns dos poemas, encontrei um que me parece adequado a um amigo lusitano que conheci no Brasil e parte em breve para Nova Iorque. É para ele este poema do grande Vinicius:
Crepúsculo em New York
"Com um gesto fulgurante o Arcanjo Gabriel
Abre de par em par o pórtico do poente
Sobre New York. A gigantesca espada de ouro
A faiscar simetria,ei-lo que monta guarda
A Heavens,Incorporations. Do crepúsculo
Baixam serenamente as pontes levadiças
De U.S.A. Sun até a ilha da Manhattan.
Agora é tudo anúncio,irradiação,promessa
Da Divina Presença. No imo da matéria
Os átomos aquietam-se e cria-se o vazio
Em cada coração de bicho,coisa e gente.
E o silêncio se deixa assim,profundamente...
Mas súbito sobe do abismo um som crestado
De saxofone,e logo a atroz polifonia
De cordas e metais,síncopas,arreganhos
De jazz negro,vindos de Fifty Second Street.
New York acorda para a noite.Oito milhões
De solitários se dissolvem pelas ruas
Sem manhã. New York entrega-se.
Do páramos
Balizas celestiais põem-se a brotar,vibrantes
À frente da parada,enquanto anjos em nylon
As asas de alumínio,as coxas palpitantes
Fluem langues da Grande Porta diamantina.
Cai o câmbio da tarde. O sublime Arquiteto
Satisfeito,do céu admira sua obra
A maquete genial reflete em cada vidro
O ôlho meigo de Deus a dardejar ternuras.
Como é bela New York! Aço e concreto armado
A erguer sempre mais alto eternas estruturas!
Deus sorri complacente. New York é muito bela!
Apesar do East Side, e da mancha amarela
De China Town, e da mancha escura do Harlem
New York é muito bela!
As primeiras estrelas
Afinam na amplidão cantilenas singelas...
Mas Deus,que mudou muito,desde que enriqueceu
Liga a chave que acende a Broadway e apaga o céu
Pois às constelações que no céu esparziu
Prefere hoje os ersatze sôbre La Guardia Field."
in Nova Antologia Poética 2003 Vinicius de Moraes, Companhia das Letras (p.137-138)
Pois de regresso a este lado do Atlântico, ao desfolhar e saborear alguns dos poemas, encontrei um que me parece adequado a um amigo lusitano que conheci no Brasil e parte em breve para Nova Iorque. É para ele este poema do grande Vinicius:
Crepúsculo em New York
"Com um gesto fulgurante o Arcanjo Gabriel
Abre de par em par o pórtico do poente
Sobre New York. A gigantesca espada de ouro
A faiscar simetria,ei-lo que monta guarda
A Heavens,Incorporations. Do crepúsculo
Baixam serenamente as pontes levadiças
De U.S.A. Sun até a ilha da Manhattan.
Agora é tudo anúncio,irradiação,promessa
Da Divina Presença. No imo da matéria
Os átomos aquietam-se e cria-se o vazio
Em cada coração de bicho,coisa e gente.
E o silêncio se deixa assim,profundamente...
Mas súbito sobe do abismo um som crestado
De saxofone,e logo a atroz polifonia
De cordas e metais,síncopas,arreganhos
De jazz negro,vindos de Fifty Second Street.
New York acorda para a noite.Oito milhões
De solitários se dissolvem pelas ruas
Sem manhã. New York entrega-se.
Do páramos
Balizas celestiais põem-se a brotar,vibrantes
À frente da parada,enquanto anjos em nylon
As asas de alumínio,as coxas palpitantes
Fluem langues da Grande Porta diamantina.
Cai o câmbio da tarde. O sublime Arquiteto
Satisfeito,do céu admira sua obra
A maquete genial reflete em cada vidro
O ôlho meigo de Deus a dardejar ternuras.
Como é bela New York! Aço e concreto armado
A erguer sempre mais alto eternas estruturas!
Deus sorri complacente. New York é muito bela!
Apesar do East Side, e da mancha amarela
De China Town, e da mancha escura do Harlem
New York é muito bela!
As primeiras estrelas
Afinam na amplidão cantilenas singelas...
Mas Deus,que mudou muito,desde que enriqueceu
Liga a chave que acende a Broadway e apaga o céu
Pois às constelações que no céu esparziu
Prefere hoje os ersatze sôbre La Guardia Field."
in Nova Antologia Poética 2003 Vinicius de Moraes, Companhia das Letras (p.137-138)
1 comentário:
Aproximo-me da noite
o silêncio abre os seus panos escuros
e as coisas escorrem
por óleo frio e espesso
Esta deveria ser a hora
em que me recolheria
como um poente
no bater do teu peito
mas a solidão
entra pelos meus vidros
e nas suas enlutadas mãos
solto o meu delírio
É então que surges
com teus passos de menina
os teus sonhos arrumados
como duas tranças nas tuas costas
guiando-me por corredores infinitos
e regressando aos espelhos
onde a vida te encarou
Mas os ruídos da noite
trazem a sua esponja silenciosa
e sem luz e sem tinta
o meu sonho resigna
Longe
os homens afundam-se
com o caju que fermenta
e a onda da madrugada
demora-se de encontro
às rochas do tempo
Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"
Desculpa mas só te poderia retribuir com a magia deste poema.
Um Beijo do tamanho do Universo.
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