terça-feira, 14 de julho de 2009

"Valsas Invisíveis"


Há situações na vida muito imprevisíveis. Há uns tempos atrás, como por magia, regressada de uma viagem ao Brasil, por altura da Páscoa, descobri na blogoesfera o blog "Valsas Invisíveis" de Eduardo Trindade, poeta, artista brasileiro. Gostei e passei a visitante assídua. O Eduardo passou a visitar também o meu blog e assim nasceu uma espécie de amizade. Foi também assim que descobri o livro que ele escreveu "Valsas Invisíveis". A curiosidade foi crescendo e comentário atrás de comentário, mail atrás de mail e, como por encanto, do Rio a Lisboa ,voou o livro até às minhas mãos. É desse livro que quero aqui falar.
Não resisto a começar por citar uma frase de Juliana Lobo, que faz o prefácio desta obra: «...foi assim, com o primor dos passos de dança, que Eduardo Trindade teceu as "Valsas Invisíveis".»
É assim mesmo. É um livro de poemas e simultaneamente um livro de histórias, de desabafos, de olhares, pinceladas do quotidiano. Tudo escrito com doçura, carinho e harmonia, com marcas tipicamente brasileiras no vocabulário como os jacarandás.
Um livro que se lê de uma ponta à outra com agrado e num ápice, como se nos segredassem ao ouvido.
Quanto aos textos, tenho vários preferidos, difícil escolher, mas, apenas para citar alguns: adoro o texto "A Lei do Abraço" em que o autor defende "Todos deveriam ter direito a um grande abraço por dia"; tenho um carinho especial pelo poema "Professorinha", doce e terno; o texto "Luana Tomasi" de uma sensibilidade indescritível; "Receita para um poema", um autêntico Chef das palavras; "Descoberta", sobre a amizade, lindo, porque também eu descobri uma nova amizade de forma simples e natural; "Versos", a imagem dos versos que dançam pela rua e se encontram... e tantos, tantos mais.
Disse o Eduardo na mensagem que mandou junto com o livro - "Espero que gostes." Respondo-te agora, meu amigo, ADOREI!!!

segunda-feira, 13 de julho de 2009

"Enquanto Salazar Dormia"

Jack Gil Mascarenhas Deane, espião luso-britânico, filho de mãe portuguesa, é o herói deste romance. Um nome curioso, mas que tem tudo a ver com a personagem que vamos desvendando a pouco e pouco. É através da viagem pela memória desta personagem que conhecemos esta história.
A acção começa em Lisboa, seguindo-se uma analepse de cerca de 50 anos e vamos até 1941, até uma Lisboa e um país contemporâneos da II Guerra Mundial, suposta e convenientemente neutral. Um país aonde acorriam os refugiados, onde circulavam ingleses e alemães, numa "guerra secreta" que "Salazar permite, mas vigia à distância". Nesta história, o autor procura caracterizar uma época singular da história do nosso país, incluindo referências a algumas personagens históricas como o embaixador Campbell, o coronel Schroeder, Graham Green, Nubar Gulbenkian, Rommel, Hitler e o próprio Salazar, que faz uma fugaz aparição da História dentro da história.
Uma escrita cativante, num enredo delicioso, que integra o humor, o suspense, informação geo-política e até o romantismo.
A história de um homem, espião a partir de certa altura, que é e não é português, e nessa condição ambígua, vê muito por detrás de um país cinzento: a simpatia não declarada do regime pelos alemães de Hitler; a revolta de outros que, ao ajudarem os ingleses, de certa forma contestavam o regime; a PVDE (mais tarde PIDE) que é responsável por atrocidades, que colabora tacitamente com a Gestapo, permitindo-lhes a perseguição e até execução de refugiados; o paradoxal glamour de uma espécie de sub-mundo que era a vida dos estrangeiros e dos espiões que circulavam em Portugal; as autênticas batalhas entre alemães e ingleses em céus portugueses (sobre o Alentejo).
Deliciosa também a forma como são relatados os amores de Jack Gil, paixões violentas que o narrador remata por diversas vezes com frases como " Seria a guerra, o medo de morrer, que soltava as mulheres assim, ao ponto de desejarem tanto e tudo, ao ponto de não quererem parar?". São aliás as mulheres da vida de Jack que funcionam como capítulos deste romance.
É ainda uma história de amizade, de que destaco a frase que dá nome ao livro, quando os dois amigos, o protagonista e Michael, se encontravam de madrugada à conversa dentro do Citroen azul de Jack - "- E nós aqui, enquanto Salazar dorme..." -, uma frase simultaneamente irónica já que ambos sabiam que, mesmo a dormir, um ditador nunca dorme.
Um livro que me cativou e encantou. Não resisto a transcrever o excerto que se encontra na contracapa do livro e que tão bem resume esta história:

«Nada, de repente, existia. A não ser Lisboa, cinquenta anos atrás. A minha Lisboa, onde amei tanto e tantas vezes. A minha Lisboa das pensões e dos espiões, dos barcos ingleses e dos submarinos alemães; a Lisboa das ligas da Mary em cima de um lençol branco; a Lisboa dos cocktails no Aviz enquanto eu perseguia Alice; a Lisboa do penteado "à refugiada" da minha noiva, a Carminho;a Lisboa dessa menina linda, frágil e alemã Anika, por quem arrisquei o pescoço; a Lisboa de Michael..

E assim nos leva Domingos Amaral até ao Portugal dos anos 40, um Portugal cinzento, a que o autor soube dar cor.