segunda-feira, 13 de julho de 2009

"Enquanto Salazar Dormia"

Jack Gil Mascarenhas Deane, espião luso-britânico, filho de mãe portuguesa, é o herói deste romance. Um nome curioso, mas que tem tudo a ver com a personagem que vamos desvendando a pouco e pouco. É através da viagem pela memória desta personagem que conhecemos esta história.
A acção começa em Lisboa, seguindo-se uma analepse de cerca de 50 anos e vamos até 1941, até uma Lisboa e um país contemporâneos da II Guerra Mundial, suposta e convenientemente neutral. Um país aonde acorriam os refugiados, onde circulavam ingleses e alemães, numa "guerra secreta" que "Salazar permite, mas vigia à distância". Nesta história, o autor procura caracterizar uma época singular da história do nosso país, incluindo referências a algumas personagens históricas como o embaixador Campbell, o coronel Schroeder, Graham Green, Nubar Gulbenkian, Rommel, Hitler e o próprio Salazar, que faz uma fugaz aparição da História dentro da história.
Uma escrita cativante, num enredo delicioso, que integra o humor, o suspense, informação geo-política e até o romantismo.
A história de um homem, espião a partir de certa altura, que é e não é português, e nessa condição ambígua, vê muito por detrás de um país cinzento: a simpatia não declarada do regime pelos alemães de Hitler; a revolta de outros que, ao ajudarem os ingleses, de certa forma contestavam o regime; a PVDE (mais tarde PIDE) que é responsável por atrocidades, que colabora tacitamente com a Gestapo, permitindo-lhes a perseguição e até execução de refugiados; o paradoxal glamour de uma espécie de sub-mundo que era a vida dos estrangeiros e dos espiões que circulavam em Portugal; as autênticas batalhas entre alemães e ingleses em céus portugueses (sobre o Alentejo).
Deliciosa também a forma como são relatados os amores de Jack Gil, paixões violentas que o narrador remata por diversas vezes com frases como " Seria a guerra, o medo de morrer, que soltava as mulheres assim, ao ponto de desejarem tanto e tudo, ao ponto de não quererem parar?". São aliás as mulheres da vida de Jack que funcionam como capítulos deste romance.
É ainda uma história de amizade, de que destaco a frase que dá nome ao livro, quando os dois amigos, o protagonista e Michael, se encontravam de madrugada à conversa dentro do Citroen azul de Jack - "- E nós aqui, enquanto Salazar dorme..." -, uma frase simultaneamente irónica já que ambos sabiam que, mesmo a dormir, um ditador nunca dorme.
Um livro que me cativou e encantou. Não resisto a transcrever o excerto que se encontra na contracapa do livro e que tão bem resume esta história:

«Nada, de repente, existia. A não ser Lisboa, cinquenta anos atrás. A minha Lisboa, onde amei tanto e tantas vezes. A minha Lisboa das pensões e dos espiões, dos barcos ingleses e dos submarinos alemães; a Lisboa das ligas da Mary em cima de um lençol branco; a Lisboa dos cocktails no Aviz enquanto eu perseguia Alice; a Lisboa do penteado "à refugiada" da minha noiva, a Carminho;a Lisboa dessa menina linda, frágil e alemã Anika, por quem arrisquei o pescoço; a Lisboa de Michael..

E assim nos leva Domingos Amaral até ao Portugal dos anos 40, um Portugal cinzento, a que o autor soube dar cor.

3 comentários:

flicka disse...

Eu adorei este livro!!! Até o recomendei no meu blog, no ano passado! Gostei muito de ler a tua opinião, fez-me relembrar alguns pontos desta história. Também achei a escrita cativante.
:)*

Poetic Girl disse...

Ontem fiz um post sobre o Domingos Amaral, mas referente ao seu primeiro Romance "Amor á primeira vista".... que adorei. Este ainda não li. Fiquei com vontade. beijokas

Beatriz Costa disse...

Eu já tinha lido este livro ha muito tempo e optei por utiliza-lo para a minha oral de portugues, mas nao me lembrava de alguns promenores e por isso o seu resumo ajudou me imenso, alem disso concordo e defendo tambem a mesma opiniao sobre o livro. Domingos Amaral no seu melhor.