sexta-feira, 18 de junho de 2010

Memorial... de Saramago

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Há dois dias atrás, apeteceu-me pegar de novo no Memorial do Convento. Um livro de que gosto muito, que analiso com os alunos sempre que tenho turmas de 12º ano, mas que é também um dos livros da minha vida. Peguei nele, reli alguns excertos e pensei que teria de escrever neste meu blog, sobre aquele magnífico livro, sobre Baltazar Sete-Sóis e Blimunda Sete-Luas. Digo sempre aos meus alunos que o melhor resumo que podem ler (aqueles que acham sempre o livro "muito grande!"), é o que se encontra na contracapa:

"Era uma vez um rei que fez a promessa de levantar um convento em Mafra. Era uma vez a gente que construiu esse convento. Era uma vez um soldado maneta e uma mulher que tinha poderes. Era uma vez um padre que queria voar e morreu doido"

Hoje, quando recebi a notícia da morte de Saramago, pensei "O Memorial ficou orfão". Foi esta a frase exacta que me ocorreu. Afinal, os livros são uma espécie de filhos dos escritores.

O primeiro livro que li de Saramago foi o Ensaio sobre a Cegueira, isto porque resisitia a ler o autor que diziam não saber usar pontuação. Ouvia falar do Memorial e achava que devia ser difícil de ler e, se calhar, demasiado histórico. Li o Ensaio em duas partes. De um fôlego li metade. Depois, tive que respirar. A imaginação do autor esmagava-me, assistir à degradação das condições de sobrevivência das personagens era demais para mim. Após uma paragem de umas semanas, voltei ao Ensaio e conclui a leitura. Magistral!
Passado algum tempo, no meu segundo ano como professora, o ano do Nobel Saramago, decidi que era tempo de ler o Memorial do Convento. Afinal que professora de Português era eu? O Memorial ainda não era de leitura obrigatória no 12ºano (era opcional, ou o Memorial ou a Aparição de Vergílio Ferreira). Li e gostei muito, mas só me apaixonei verdadeiramente por este livro, quando tive que o leccionar, alguns anos mais tarde. A cada ano que tenho que o dar, aprendo e descubro coisas novas. Só me acontece isto com o Memorial e com Os Maias de Eça de Queirós. E eis como o Memorial do Convento se tornou um livro da minha vida. Um livro que é muito mais do que um livro - deu origem, por exemplo, a uma ópera, "Blimunda", que estreou no "La Scala" de Milão -, Baltazar e Blimunda passaram a ser património de todos nós, diria mesmo património da Humanidade.

Saramago partiu e com ele partiu uma imaginação prodigiosa, uma forma muito própria de escrever, mas a que nos adaptamos com alguma facilidade (a pontuação está implícita como as regras de um jogo quando o aprendemos a jogar). Uma personalidade polémica, nada consensual, mas a que ninguém fica indiferente. Um escritor reconhecido, não só com o Nobel, expoente máximo dos prémios literários, mas também já havia ganho o Prémio Camões, em 1995, e deu ele próprio nome a um prémio, o Prémio José Saramago.

O homem, José, era ateu, o autor talvez não o fosse tanto como dizia, mas eram ambos verdadeiros humanistas, disso não tenho dúvidas.
A melhor homenagem que posso fazer a Saramago é citar um dos excertos desse seu livro que é também um dos livros da minha vida...

"Além da conversa das mulheres, são os sonhos que seguram o mundo na sua órbita. Mas são também os sonhos que lhe fazem uma coroa de luas, por isso o céu é o resplendor que há dentro da cabeça dos homens, se não é a cabeça dos homens o próprio e único céu"