terça-feira, 28 de abril de 2009

O que a vida me ensinou

Passei os olhos pela minha estante (que começa a entrar no estado de lotada, a caminho de super-lotada) e não resisti a pegar neste livro. É aliás inevitável e irresistível, de vez em quando, voltar a ele.
É uma colectânea de 34 depoimentos de personalidades com mais de 70 anos que têm "como suporte do nome que ostentam o mérito do trabalho desempenhado nas respectivas áreas, mesmo se têm escassa exposição pública, por ser essa a sua vontade, ou por ser esse o resultado de uma época devoradora de frágeis ícones populares cujo único feito é o de aparecerem nas televisões sem outra virtude que não seja a de lá terem estado." (Valdemar Cruz).
Fui lendo os depoimentos salteados, ao sabor do momento, à semelhança do que faço sempre que volto a este livro. Todos valem a pena, mas conforme o meu estado de espírito, há dias em que me apetece mais "ouvir" uns do que outros.
Todos acabam por dar lições de vida, ao deixarem um testemunho de um ou mais momentos que viveram.
Alguns surpreendem-nos à partida e à chegada - por exemplo, o poeta António Ramos Rosa começa com a espantosa frase "Lamento ter nascido." e termina com um plácido "A vida não me ensinou nada."... mas entretanto deu-nos o retrato de si. Em sentido contrário, o Professor Moniz Pereira inicia com um categórico"Gostei muito de ter nascido." e conclui "A vida ensinou-me tudo quanto sei. Por isso digo que estou muito satisfeito por ter nascido.". E que dizer do testemunho da fadista Argentina Santos que começa com um "Gosto de mim." e termina com "Sinto-me orgulhosa pela minha vida".... E a voz de Eunice Muñoz que inicia "Sou pouco terna" e conclui "Ela era uma mãe extraordinária e eu não soube corresponder a essa bondade, a essa dedicação". E a Professora Helena Rocha Pereira que começa com "A dificuldade de ser mulher manteve-se ao longo de toda a minha vida." e fecha com "A vida ensinou-me que, e cito um provérbio grego, as coisas belas são difíceis." E tantos outros testemunhos...o Mestre Manoel de Oliveira, o Nobel José Saramago, o grande senhor do teatro Ruy de Carvalho, a magnífica Agustina Bessa-Luís... e por aí fora.
Ao escrever este texto descubro uma nova leitura para este livro. Se lermos o princípio e o fim de cada depoimento, temos, logo aí, lições de vida! Mas, se nos aventurarmos pelo que dizem entretanto, então vamos constituindo uma verdadeira enciclopédia.

Se alguém ainda tinha dúvidas quanto a isso, este livro constitui a prova de que não há futuro sem passado. O legado que os mais antigos (os "anciãos" a quem a cultura grega reconhecia grande autoridade) nos deixam enriquecem o nosso presente e dão-nos pistas para o futuro, pelo menos para todos aqueles que já perceberam que andamos na vida para aprender, quer tenhamos 10, 30 ou até 100 anos.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

25 de Abril - Celebração da Liberdade

25 de Abril

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo.

Sophia de Mello Breyner



Porque é sempre tempo de celebrar o que temos por adquirido, mas que, na verdade, devemos lutar para conservar...

De liberdade...



No dia seguinte ao Dia Mundial do Livro e, simultaneamente, na véspera de se comemorar a liberdade em Portugal, "peço" a Eugénio de Andrade que fale de...


As palavras

"São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?"

Eugénio de Andrade

Porque a palavra, em ditadura, é a primeira a ser aprisionada...

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Dia Mundial do Livro



"Livros são papéis pintados com tinta" (Fernando Pessoa)... e são, de facto, simplesmente isso, se não os lermos. Podem também ser elementos de decoração, que ficam bem com a sua lombada bem cuidada, na estante da sala. Podem ser ainda um suplício, se formos obrigados a lê-los quando não queremos ou se falarem de assuntos que não nos interessam... Mas podem e são, para mim, muito mais do que isso!

São autênticos baús de tesouros, histórias, aventuras, emoções... ao abri-los entramos em mundos de sonho e, por vezes, nunca antes sonhados. São amigos que nos fazem companhia, lá em casa. Uns são elegantes, outros não; uns são novos, outros são velhos; uns estão bem tratados, outros prestes a desmembrarem-se; uns levam-nos ao passado, outros ao futuro; uns fazem-nos chorar, outros rir. É por isso que, para mim, como digo na entrada do blog - ler é viver!

Neste Dia Mundial do Livro, presto homenagem a todos quantos escrevem, a todos os que me permitem (e a tantos outros apaixonados por esta arte) ter estes amigos de papel... mas de coração. Obrigada!

quarta-feira, 22 de abril de 2009

"Pelo sonho é que vamos"

Sabem aquela sensação de quando acordamos no meio de um sonho bom e ficamos desiludidos, só nos apetece fechar os olhos com força e esperar que o sono e o sonho retomem o seu curso? Os sonhos são assim, fazem-nos querer muito agarrá-los e vivê-los, quer estejamos a dormir, quer estejamos acordados.

Lembrei-me disto, porque hoje, ao falar com um amigo sobre a crise de valores à escala global, ele disse-me que talvez estejamos a chegar ao fim da era dos oportunistas e os sonhadores tenham uma oportunidade de chegar ao poder. Será? Ocorreu-me o comentário de uma amiga querida que, quando defendo alguns dos ideais que me guiam, me responde que eu quero viver de sonhos, mas que seria interessante ver alguém sustentar-se de sonhos. Normalmente sorrio perante este comentário, porque acho que ela exagera, mas hoje pensei “E se fosse de facto possível viver de sonhos?”. No plano do ideal, tudo é possível e a verdade é que são os sonhadores que fazem evoluir a humanidade. Senão vejamos: o homem sonhou conquistar os mares – e conquistou; sonhou voar – e voou; sonhou conquistar o espaço – e conquistou; sonhou com a comunicação global – e aí está a internet…

Martin Luther King, um mártir dos seus sonhos, sonhou com a igualdade entre os homens – e Obama chegou à Casa Branca… e uma onda de esperança dominou o mundo, milhões de pessoas emocionaram-se ao verem aquele homem de sorriso amável tomar posse na nação mais poderosa do mundo.

Eu quero acreditar que é possível viver de sonhos, ou melhor, que às vezes os sonhos se tornam realidade, mesmo quando parecem impossíveis. A vida ensina-nos isso mesmo.

Os mestres dos sonhos, os poetas, apregoam a força dos sonhos alto e bom som, mas, regra geral, são tidos como loucos, mas não o são. Como dizia Florbela Espanca “ser poeta é ser mais alto / é ser maior do que os homens”, eles vêem mais além, são visionários.

Tem razão António Gedeão quando diz que…

“o sonho comanda a vida

que sempre que um homem sonha

o mundo pula e avança

como bola colorida

entre as mãos de uma criança”.

Afinal, como dizia Sebastião da Gama, “pelo sonho é que vamos”!

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Amizade - por Vinicius de Moraes

Como "ser poeta é ser mais alto" e, quanto a mim, ninguém melhor que Vinicius fala sobre a amizade, aqui vai, para os meus amigos...

"Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos. Não percebem o amor que lhes devoto e a absoluta necessidade que tenho deles.

A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor, eis que permite que o objeto dela se divida em outros afetos, enquanto o amor tem intrínseco o ciúme, que não admite a rivalidade.

E eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!

Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos e o quanto minha vida depende de suas existências…

A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem.

Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida.

Mas, porque não os procuro com assiduidade, não posso lhes dizer o quanto gosto deles. Eles não iriam acreditar.

Muitos deles estão lendo esta crônica e não sabem que estão incluídos na sagrada relação de meus amigos.

Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não declare e não os procure.

E às vezes, quando os procuro, noto que eles não tem noção de como me são necessários, de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital, porque eles fazem parte do mundo que eu, tremulamente, construí e se tornaram alicerces do meu encanto pela vida.

Se um deles morrer, eu ficarei torto para um lado. Se todos eles morrerem, eu desabo!

Por isso é que, sem que eles saibam, eu rezo pela vida deles. E me envergonho, porque essa minha prece é, em síntese, dirigida ao meu bem estar. Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo.

Por vezes, mergulho em pensamentos sobre alguns deles.

Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos, cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim, compartilhando daquele prazer…

Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a roda furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado, morando comigo, andando comigo, falando comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos, e, principalmente os que só desconfiam ou talvez nunca vão saber que são meus amigos!"

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Natal, Rio Grande do Norte, Brasil


Este ano, mais uma vez, eu e uma amiga decidimos tirar uma semana de férias e viajar na altura da Páscoa. É um acordo que fizemos há algum tempo, já que descobrimos que nos entendemos como companheiras de viagem. O destino planeado era Cuba, mas, como tantas vezes acontece aos planos que fazemos, as circunstâncias ou o acaso levaram-nos a Natal, Estado do Rio Grande do Norte, no Brasil.

Na White (“coloured by you” – passo a publicidade, mas gostei bastante deste slogan), atravessámos um oceano, viajámos, durante 7 horas, do hemisfério Norte para o hemisfério Sul e chegámos a terras de Vera Cruz. Para além do calor que sentimos ao sair do avião, o que mais me impressionou foi ouvir a minha própria língua. Pode parecer um comentário despropositado, mas, embora todos saibamos que no Brasil se fala português, depois de uma tão longa viagem, tantos mil quilómetros pelo meio, irmos ao encontro da nossa própria língua emociona, como se, por instantes, estivéssemos mais perto de Pedro Álvares Cabral, reconhecendo o mérito da epopeia portuguesa. O calor e a língua foram os primeiros aspectos que me impressionaram no Brasil, logo complementados pela simpatia do povo brasileiro e pelas paisagens de sonho. Reconheço que fiquei rendida.

Em Natal há miséria, como depressa descobri, mas há também alegria (“pobres, mas felizes”, como nos disse uma empregada de uma loja), um mar quentinho e convidativo, artesanato irresistível e muito forró! É espantoso como aquelas pessoas nascem com ritmo e energia. Mesmo depois de um dia de trabalho, são tomados pela música e é extremamente fácil distinguir os estrangeiros dos brasileiros, já que estes últimos têm música e harmonia dentro de si. Às vezes parece que flutuam…

Por lá, sentimo-nos bem vindos. É verdade que nos julgam ricos (comparados com eles, se calhar até somos), mas ricos são eles, aquele país magnífico, com um clima excelente e uma alegria sem fim. Eu diria que os nossos antepassados por lá deixaram a torneira marítima da água quente, as temperaturas agradáveis do termómetro e o lado feliz da alma.

Comigo, além das recordações e das fotografias, trouxe livros, como não podia deixar de ser –uma antologia de Vinicius de Moraes e “O Vendedor de Sonhos” de Augusto Cury -, livros de uma terra de sonhos, em que o sol começa a “cochilar” pelas 17h e às 17.30h se “deita para dormir”. É assim em Natal…

quarta-feira, 1 de abril de 2009

A minha amiga Patrícia - que saudades!...


Ao navegar neste espaço virtual, deparei-me, em diversos blogues, com alguns livros infanto-juvenis e eis senão quando me vêm à memória os meus próprios livros da minha adolescência... A colecção "Uma Aventura" (que li todos até cerca do nº 40), "Os Cinco", a "Carlota", a "Ana", a "Susana", a "Daniela" (os últimos 3 trilogias de histórias de raparigas estrangeiras, julgo que uma dinamarquesa e duas alemãs, que cumpriam os seus sonhos e eram felizes no final do 3º livro)... e os livros da "Patrícia", sem dúvida os meus favoritos.
A Patrícia era a minha heroína literária! Sempre metida em sarilhos, sempre à espreita de uma aventura, envolvia-se nos mistérios mais intrincados, tinha com os irmãos e os amigos uma espécie de clube secreto - os Codornizes Brancas do Vale... Com ela eu sonhava, talvez porque ela era precisamente aquilo que eu não era - aventureira, arriscava, não temia o perigo, até se encontrar em situações perigosas, e o sonho dela era ser detective. Acreditem que ,ainda hoje, às vezes, quando estou mais cansada e me deito, dou por mim a imaginar a Patrícia, crescida, com uma profissão, uma mulher independente, mas sempre irreverente e metida em sarilhos.
É engraçado, nunca tinha pensado muito nisto até este momento em que escrevo. Há crianças que criam amigos imaginários, eu adoptei uma personagem de um livro e moldei-a ao sabor da minha imaginação e, de certa forma, tornou-se para mim uma amiga. Hoje, adulta, é como se pensar na Patrícia me levasse um bocadinho de volta à minha infância, é uma espécie de refúgio para matar saudades, um colinho :)
Há poucos anos atrás, tinha uma explicanda que detestava ler. Comecei a ler com ela coisas como o "Falar Verdade a Mentir", "Graças e Desgraças de El-Rei Tadinho", entre outros. Um dia, quando já a acompanhava há uns anos, propus-me emprestar-lhe um dos meus "tesouros" o nº 1 da colecção da "Patrícia". Olhou desconfiada para o livro, que já mostrava sinais de alguma idade, mas não esmoreci e expliquei-lhe que adorava aqueles livros e como eles tinham povoado a minha infância / adolescência. Fez-me o favor de o levar... e não é que na semana seguinte quis levar outro e, depois, mais dois e acabou por ler todos os que eu tinha. E ainda fez o pai andar a correr Lisboa à procura de todos quantos encontrasse esquecidos nas prateleiras de alguma livraria, qual relíquias! Foi como se se abrisse uma porta para uma leitora, que se tornou, e ainda hoje é, mais do que muito frequente, quase compulsiva.
...Lá se colou a minha "amiga" Patrícia a mais uma memória... E quantas haverá por aí???.... Não sei, mas, a verdade, é que ao falar nisto sinto umas saudades...

P.S. - só agora reparei que já é dia 1 de Abril, mas isto não é mentira, é mesmo verdade, daquelas que fazem parte de nós...